quarta-feira, 8 de março de 2017

Opressão das mulheres: erro fatal dos homens

Por Amadeu Roberto Garrido de Paula
Advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas. 

Por uma nonada, uma maçã, a humanidade paga até hoje. Claro que é representação simbólica de uma vicissitude do criacionismo, mas não elucida o desvalor presente na pena perpétua, devida a uma futilidade, a que foi condenada. Expulsos do paraíso para o cruel deserto que os esperava, a julgar pelos costumes de hoje, Adão pôs a culpa em Eva. Homens e mulheres se mataram, porém a história bíblica só fala de Caim e Abel. Não que tenha sido um episódio elogiável, mas a história começava tendo como perspectiva só um lado de ambas as espécies componentes do gênero humano: o masculino. A assim metade da humanidade gerou os fatos – equivocados, em sua maioria – que até o presente século criaram o drama da raça humana. Esta deveria, no mínimo, intuir que um dos lados não prospera cosmologicamente sem o outro.

Ainda não foi concluída uma história universal das mulheres. Diriam: e a dos homens? Esta já tem o “status” de uma ciência em muitos países do mundo.  A Inglaterra e os EUA se dedicam ao que se passou nos séculos, relativamente às mulheres. Com Trump, aguarde-se o fim dessa “perfumaria acadêmica”.

Mais do que a importância de comemorar o dia das mulheres, importa conhecer o passado e delinear o futuro. Analiticamente, sem derrapadas lógicas e ideológicas.


Como se não fossem seres humanos, as mulheres pouco figuram em nossa aventura sobre o planeta. Os grandes reverenciavam deusas mitológicas, o “passa tempo” dos primeiros inteligentes. Na ficção.  As mulheres, como outros segmentos, não tinham vez, delas não se fala nas recordações de academias e liceus. Os romanos, tomados pelo direito e a forte personalidade do “paterfamilias”, menos ainda.

Na Idade Média, mulheres tiveram destaque entre os alquimistas e terminaram na fogueira. De todo modo, acabavam com mais destaque num mundo muito menos agitado e com suas ferramentas, parcas, de evolução, tomadas pelos homens.

O que se pode dizer, sem necessidade de ingressar em exemplos nominais, em exceções confirmatórias da regra, é que não é nenhum exagero o emprego do termo “mulher-objeto”, salvo quando se presta a panfletos superficiais. Se as mulheres não foram sujeitos de direito privado e de direito político, a ponto de serem raras suas menções, só podem ter sido objeto. Como os demais, integrantes do mundo material e não espiritual, do elenco de seres humanos semiautomáticos, no exercício de funções que Zeus lhes reservou. Não foram somente elas, mas também a imensa maioria dos homens dominados pela vontade de outros. Lembrem-se os jovens sucumbentes nas batalhas repulsivas e da grande maioria espoliada dos bens terrenos.

Parece-nos que a ideia dos direitos das mulheres começou a germinar no século XVIII e XIX com o romantismo alemão. O filósofo Emmanuel Kant, do mundo transcendental, em seus escritos éticos pronunciou o enunciado tantas vezes repetido: trate seus semelhantes como se fosse um fim, jamais como um objeto. Em momento algum passaria pelo forte espírito de Konigsberg afastar as mulheres dessa interpretação finalística do gênero humano. Era um metafísico, um romântico, mas poucos creditaram valor aos metafísicos e românticos. O sofrimento dos poetas foi escrito nas grandes mesas de gloriosas universidades. E a metafísica foi ridicularizada pelos empiristas, como Hume, para quem todo conhecimento só poderia vir do sensível, da natureza e da sociedade concreta. Como se esses elementos volúveis da matéria tosca e da natureza instável não fossem profundamente enganadores. Do mesmo modo, pode-se falar dos positivistas. As sementes tiveram alguns resultados expressivos há não mais de meio século, dada a pungente luta das mulheres, mas tudo restou incompleto e confinado ao mundo material, dadas as influências político-ideológicas no feminismo, às quais falar em mundo espiritual é um insulto, face às desigualdades entre os sexos ainda largamente disseminadas.

Creio que o grande engano está em se considerar o mundo físico como um projeto divino. Basta vê-lo, com todas as impropriedades, inclusive da natureza. O homem não teve de se assimilar à natureza, em muitos momentos de desertificação, geleiras impiedosas, circunstâncias completamente adversas à vida, graças à sua coragem e seu talento? O que é o talento, senão a expressão espiritual de categorias “priori”, razão de nosso eu transcendental, que aperfeiçoa o grosso mundo material? O que sobra de verdadeiramente bom neste mundo, além da sobrevivência (não sabemos até quando), meramente física, de nossos cérebros, corações, intestinos e fígados? A mulher e o homem não teriam nas profundezas de seus seres metas e fins que os acomodaria na imensidão do cosmos e do universo? Se os homens, desde Kant, tivessem olhado para todos seus irmãos e irmãs com fins e não como objeto, com certeza este mundo já seria outro, inteiramente outro.

O pensamento de Kant foi magnificamente fecundado por Fichte. Homens e mulheres não foram feitos para aperfeiçoar o mundo material preexistente, mas para fazer deste o que nos dizem, com liberdade e autonomia, nossas almas e nosso espírito, cada um com seu eu-profundo e criador, que se harmoniza com todos os eus-profundos e livres, de cuja sintonia a vida cósmica se afirmará. Algo completamente diverso do que costumamos ver e enfrentar cotidianamente em nossas vidinhas, ao nos lançarmos a entender e coordenar os eventos diários que nos são impostos, e nos amarram às suas soluções, como se essa prática fosse o exercício supremo da liberdade do homo sapiens.

Depois do fracasso das teorias filosóficas, em geral voltadas à economia e à política, sem delas descuidar, tenho para mim que condição de nossa sobrevivência nos próximos séculos está condicionada à ressurreição da metafísica, a volta a Platão e sua teoria da caverna, aos pensadores citados, à teoria dos valores que se encarna na cultura, nas artes em geral, na imaginação, na revisão de nossa fundamentalidade, cujas garras apreensoras do real o torna dependente de cada observador, que dá forma ao mundo da matéria. Só na íntima transcendência das mulheres e dos homens poderemos encontrar o verdadeiramente humano.

Por isso tudo, sustentamos que os homens fracassaram ao não considerar e respeitar as mulheres como fins, mas tratá-las, simplesmente, como meios, que os auxiliavam, silenciosamente, em todos seus propósitos meramente materiais. Entretanto, é indispensável observar que esse estado de coisas foi imposto às mulheres não pela grande maioria dos homens, mas por minorias que governaram a todos, desde os tempos mais primevos. Consequentemente, somente a esses aproveitadores, ainda hoje, vale o cisma materialista entre homens e mulheres, como se fossem espécies beligerantes que, a qualquer momento, podem divergir e reforçar os reinados do “real”. Essa grande maioria não tem consciência dos eus-profundos, da liberdade verdadeira, do saber racional e do querer que brotam do romantismo filosófico (não confundir com as superficialidades habituais) , e nossa missão comum é reciclar o gênero humano em sua totalidade. Os que nos chamam de utópicos mal percebem que vivem a cavar suas próprias sepulturas.

Em suma, homem e mulher, gênero único, ainda que espécies biologicamente distintas, o que permitiu sua evolução, somente quando identificados pela homogeneidade de seus destinos comuns e metarreais, poderão suprimir o dia 8 de março, porquanto a felicidade, filha da liberdade incondicional de todos, será incompatível com restrições e discriminações próprias de uma sociedade imperfeita. E a data perderá seu sentido que, hoje, a justifica sob múltiplos aspectos.

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